‘Caixa-preta’
da Justiça fiscal, Carf é responsável por julgar multas de meio trilhão de
reais
Por beneficiar grandes empresas, órgão do
Ministério da Fazenda está sob investigação da PF
A Operação Zelotes, da Polícia
Federal e da Receita Federal, colocou no centro de um escândalo bilionário de
corrupção um órgão até então desconhecido pela maioria dos brasileiros, o Carf.
O
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ligado ao Ministério da Fazenda, é
responsável hoje por julgar mais de 100 mil recursos de empresas multadas pela
Receita Federal. Somadas, essas multas totalizavam, até 31 de março, R$ 531
bilhões, segundo balanço do próprio Carf.
A
operação, deflagrada em 26 de março, está tentando desmontar um esquema que
reduzia ou anulava essas multas das empresas, por meio de manipulação dos
julgamentos no Carf.
O
grupo criminoso era formado por funcionários do Carf, advogados e consultores,
com o incentivo dos empresários multados, que se livravam das multas em troca
do pagamento de propinas.
Segundo
a PF, estão sob investigação 74 recursos envolvendo 70 empresas, no total de R$
19 bilhões. Até o momento já foram identificados prejuízos de R$ 6 bilhões.
Nessa
lista estão ‘peixes grandes’ da produção nacional, como o Bradesco, o Grupo
RBS, o banco BTG Pactual, a BR Foods e a Gerdau.
Mas,
afinal, como funciona o Carf? Entenda a seguir.
O que faz o Carf?
O
Carf é um órgão do Ministério da Fazenda responsável por julgar processos
relacionados a autuações fiscais da Receita Federal. Ou seja, é uma espécie de
"tribunal" que julga processos de contribuintes em débito com a
Receita, sem, no entanto, fazer parte do Poder Judiciário.
A
ideia é justamente eliminar possíveis excessos praticados por fiscais da
Receita.
Quem faz parte do Carf?
O
Carf é formado por 216 conselheiros, sendo metade deles representantes do
Ministério da Fazenda (indicados pela Receita Federal) e metade por
representantes dos contribuintes — advogados indicados por confederações da
indústria, comércio, serviços e instituições financeiras (CNI, CNC, CNS e CNF)
ou pelas centrais sindicais (CUT, UGT e NCT), nos casos das turmas que julgam
questões previdenciárias.
As
indicações são feitas por meio de uma lista tríplice, e os currículos são
examinados pelo Comitê de Seleção de Conselheiros, constituído por cinco
membros — o presidente do Carf e representantes dos contribuintes, da
Procuradoria da Fazenda, da Receita Federal e um de livre indicação do ministro
da Fazenda.
Os
auditores cedidos aos conselhos continuam recebendo seus salários pela Receita
Federal. Já os indicados pelos contribuintes não recebem qualquer remuneração.
Isso tem levantado questionamentos sobre a isenção desses julgadores e seus
reais interesses na função, já que eles mantêm seus empregos de origem, muitas
vezes em empresas com processos no Carf ou escritórios de consultoria que
prestam serviços para empresas com processos no órgão.
Qual é o caminho de um recurso no Carf?
O
Carf possui três seções de julgamento, cada uma delas formada por: câmara
superior; quatro câmaras “inferiores”; além de turmas especiais e ordinárias.
Chegam
ao Carf os recursos de empresas multadas pela Receita Federal.
Se
quiser contestar o auto de infração, a empresa apresenta uma reclamação
primeiramente à DRJ (Delegacia da Receita Federal de Julgamento).
Se
o processo passar por essa instância, só aí ele segue para o Carf, onde o
recurso será analisado primeiramente pelas turmas ordinárias e especiais.
Caso
o recurso não seja aceito, ele segue para julgamento da Câmara Superior.
Como acontecia a corrupção?
Para
a PF, a organização criminosa influenciava e corrompia funcionários públicos,
conselheiros e servidores para cancelar ou reduzir valores de infrações durante
os julgamentos de recursos. Isso acontecia por meio da "conquista"
dos votos de conselheiros.
Quem
fazia o trabalho de conquistar os votos eram conselheiros que faziam parte do
esquema. Além de atuarem no Carf, eles faziam parte ou tinham contato com
escritórios de advocacia que trabalhavam para as empresas autuadas.
Os
pagamentos eram feitos de acordo com o montante abatido da multa. Quanto maior
o abatimento da dívida com a União, mas recebiam os intermediários.
Um
dos principais articuladores, segundo a Polícia Federal, seria José Ricardo da
Silva. Auditor aposentado da Receita e conselheiro do Carf, ele também era
advogado e sócio de empresas de consultoria. Ele teria atuado em favor das
empresas dentro do conselho mediante recebimento de propinas, afirmam os
investigadores.
O que pode acontecer com o Carf?
Um
dos principais críticos ao Carf hoje é o Sindifisco Nacional, sindicato
representante dos auditores fiscais.
Para
o Sindifisco, o Carf tem uma estrutura “aparentemente democrática”, mas se
constitui, “na verdade, em uma porta aberta a ilícitos, uma vez que os
conselheiros indicados pelos ‘representantes dos contribuintes’ não têm vínculo
com o serviço público, não são remunerados no exercício dessa função julgadora
e seguem exercendo suas atividades profissionais privadas”.
Especialistas
ouvidos pela BBC Brasil dizem que é fundamental alterar a forma como os
julgadores são escolhidos. Eles defendem que conselheiros passem a ser
selecionados por concurso, modelo mais comum no mundo
No
entanto, ainda não é possível saber o que vai acontecer com o órgão, mesmo
porque as investigações, que começaram em 2013, ainda estão em curso.
Desde
que se deflagrou a operação, os julgamentos no Carf estão paralisados. Os
recursos sob suspeita serão reavaliados, segundo a Receita.
Na
tentativa de retomar as atividades, o governo vai abrir consulta pública com
propostas de mudanças na estrutura e no funcionamento do órgão. De acordo com o
Ministério da Fazenda, as primeiras alterações do regimento serão apresentadas
em 23 de abril, quando será aberto processo de consulta pública. O prazo para
que as medidas sejam efetivadas ainda não foi oficializado.
Fonte: http://noticias.r7.com/
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