Entre as 20 piores do país no Enem, escola sofre com falta de
professores
Escola de
Vila Flor, no RN, teve a pior média do estado em redação.
Falta de professores é um dos problemas da instituição.
Às 20h de uma terça-feira o sinal já havia tocado para a segunda aula
na Escola Estadual Presidente Tancredo Neves, em Vila
Flor, a 90 quilômetros de Natal. Alguns alunos se concentram na frente da
escola porque a professora de filosofia faltou e não haverá aula. A ausência de
professores é apenas um dos problemas da escola que teve a média mais baixa em
redação entre as instituições potiguares avaliadas no Enem 2014. Dos 1000
pontos possíveis, os alunos tiraram 237,65.
Pelo critério da redação, das 15.640 escolas do país avaliadas pelo
MEC, entre públicas e particulares, a de Vila Flor ficaria na posição 15.623, a
19ª pior do país. Pelo critério das quatro provas objetivas — que englobam
linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza — a Tancredo
Neves ficaria na posição 15.549, a quinta pior entre as instituições do Rio
Grande do Norte.
A Escola Estadual Tancredo Neves tem 236 alunos, que cursam a partir do
nono ano do Ensino Fundamental. Há turmas em modalidades regulares e em
supletivo. Trata-se da única instituição de Ensino Médio de Vila Flor,
município com menos de 3.000 habitantes, um dos quinze menores do estado em
população e riqueza. A escola só funciona à noite, porque durante o dia os
professores lecionam em Canguaretama, cidade vizinha dez vezes maior. É para lá
que vão os melhores alunos de Vila Flor, aprovados no exame seletivo do campus
local do IFRN.
Para a diretora da Presidente Tancredo Neves, Magneide Fontoura, o
desempenho ruim no Enem é reflexo do pouco interesse dos alunos no estudo. “Nós
damos muitos conselhos, mas eles não gostam de ler. Preferem ficar no whatsapp
e no Facebook”, diz. Ela mostrou à reportagem a biblioteca do colégio, que
estava trancada. As onze prateleiras eram preenchidas principalmente com
apostilas didáticas, algumas embaladas no plástico. De literatura, algumas das
poucas obras disponíveis eram Os Sertões, de Euclides da Cunha, e O Mulato, de
Aluísio Azevedo. Para a diretora, a bibioteca fechada e pouco variada não é
empecilho à leitura. “Quem quer vai à biblioteca municipal”, diz.
Magneide reconhece que a escola tem problemas. De acordo com ela, há
pelo menos cinco anos não tem professor de inglês, espanhol e educação física.
Faltam também docentes de biologia. A escola não possui quadra esportiva desde
2007, quando o ginásio foi incorporado à prefeitura. A diretora se queixa do
método de ensino por blocos de disciplinas semestrais. Segundo ela, por
determinação da Secretaria de Educação e da Cultura, as escolas do estado concentram
as matérias do ano em um semestre, à exceção de matemática e língua portuguesa,
lecionadas durante todo o ano letivo.
A diretora não sabia que o desempenho de sua escola tinha sido tão
pífio no Enem. A nota da redação também era desconhecida pela professora de
português do primeiro e do segundo ano do Ensino Médio, Alessandra Gomes da
Silva. Aos 39 anos, vinte de magistério, Ana se retraiu ao ser informada que a
Tancredo Neves obteve a pior média do estado. Para ela, os alunos vêm com
deficiências do ensino fundamental, não se interessam pelo Enem e não têm o
hábito de ler. Alessandra diz que a carga horária de sua disciplina é pequena
para tanto conteúdo. “Tenho
duas aulas semanais de 45 minutos cada, para ensinar literatura, português e
redação. Nunca consigo terminar um livro”, afirma.
No dia em que a reportagem visitou a escola, alunos da professora
Alessandra já estavam fora da classe quando ainda faltava meia hora para a aula
terminar. Eram liberados à medida que terminavam uma atividade em sala. Ericarla
Rocha da Silva, de 14 anos, esperava a próxima aula na escada, com colegas. A
estudante terminou o Ensino Fundamental de manhã, e preferia continuar nesse
período. Ela se candidatou a uma vaga no IFRN de Canguaretama. “Lá tem
professores de qualidade”, afirma. Não passou na prova - acertou dezesseis dos
40 testes e foi mal em redação. Sem opção, ficou em Vila Flor. Sua turma no
primeiro ano no ensino médio
vai à escola de terça a sexta. Na segunda fica em casa, porque não há
professores de inglês e espanhol.
O governo reconhece que o desempenho das escolas não é satisfatório.
“Em relação ao resto do país, não está como a gente gostaria”, afirma Rosângela
Maria de Oliveira Silva, subcordenadora de ensino médio da Secretaria da
Educação e da Cultura do estado do Rio Grande do Norte. Ela afirma que uma das
medidas adotadas para melhorar as notas foi a criação de aulas preparatórias
para o Enem aos sábados, em junho. Rosângela não soube dizer, no entanto,
quantos colégios do estado já têm esse sistema. Outra medida é normalizar a
carência de professores, que segundo ela é de 900 a 1000 na rede pública. O
governo espera preencher essa lacuna até o fim do ano. No caso de Vila Flor, no
entanto, Rosângela afirma não haver professores interessados em se deslocar até
a cidade. Já para Vera Reis, técnica pedagógica da Secretaria, entre os
principais responsáveis pela pequena participação dos alunos potiguares no Enem
estão os professores. “Eles têm que incentivar os alunos a fazer a prova e
dizer que eles são capazes de ter sucesso no exame”, diz.
Sem professor
A classe do segundo ano do Ensino Médio estava sem aula no dia em que o G1 visitou a unidade porque não havia
professor. Lucas Terto, de 20 anos, é um dos alunos desta turma. Três vezes
repetente, Lucas concilia o trabalho de auxiliar de produção em uma fazenda de
camarão com os estudos. Depois que a jornada de doze horas de trabalho acaba,
segue para o colégio, às 19h. “É cansativo”, diz.
Lucas deseja fazer faculdade de engenharia mecânica “um dia”. Não sabe
dizer onde gostaria de estudar, porque desconhece o nome de qualquer
universidade. “Vou pesquisar uma boa”, afirma. Para realizar o sonho que parece
distante, guarda na poupança de 100 a 200 reais por mês, dos mil que ganha.
Queria ter feito o Enem este ano, mas não se inscreveu porque “estava ocupado”.
Lucas diz ter média 6 em português. Não se lembra da última redação que
escreveu e afirma nunca ter lido um livro. “Na escola não tem os livros que a
gente gostaria de ler”. Quando perguntado sobre o que ele gostaria de ler a
resposta é: “Poesia. Essas coisas para ter mais conhecimento”.
Desempenho do RN
O MEC estabece 500 a nota mínima em redação para uma pessoa ter certificado de
conclusão do Ensino Médio pelo Enem. Essa é também a nota de corte para qualquer
curso da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Das 149 escolas
estaduais potiguares classificadas pelo MEC, apenas cinco tiveram média
superior a 500, ou 3,4% delas. Seis colégios privados também ficaram abaixo da
média.
Das mil mais bem avaliadas do Brasil nesse quesito, o estado potiguar
tem apenas sete, das quais uma pública: o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia, Campus Mossoró. Já entre as mil piores do Brasil, há 32,
todas estaduais. O colégio estadual mais bem colocado é o Santos Dumont, em
Parnamirim, na colocação 5.849. Todos os demais estados nordestinos têm
colégios estaduais em melhor posição, à exceção de Alagoas.
O cenário seria ainda mais desolador se o MEC revelasse as notas de
todos os colégios que participaram do Enem. Para aparecer nas listas do governo
federal, é preciso que mais da metade dos alunos da escola tenha feito a prova.
No Rio Grande do Norte, estudantes de 420 colégios participaram do Enem.
Ficaram sem nota 137 escolas estaduais, equivalentes a 48% delas. Na rede
privada, a incidência é menor: 28 das 134 escolas não foram listadas pelo MEC,
ou 21%. No comparativo nacional, o estado é o 13ª em participação.
Não aparecer na lista é indicativo de má qualidade de ensino. O exame
já substituiu o vestibular na maioria das universidades federais. É por meio
dele também que os estudantes obtêm o Financiamento Estudantil (Fies) e as
bolsas do ProUni. Para Cláudia Santa Rosa, diretora do Instituto de
Desenvolvimento da Educação (IDE), entidade não governamental do Rio Grande do
Norte, as notas medíocres e a baixa adesão são resultado de problemas como
evasão escolar, repetência e falta de professores. “Os alunos não fazem a prova
por falta de estímulo escolar e pela baixa expectativa de sucesso no exame”.
Cláudia aponta que a redação é o ponto crítico em uma avaliação
estudantil. “As provas objetivas também exigem pensamento, mas dão margem ao
chute. Já a redação demandam conhecimentos gerais e capacidade de estruturar um
texto e de argumentar”, afirma. “Sem essa bagagem, e sem incentivo à leitura,
ele terá imensa dificuldade de escrever”.
O Ceará adotou medidas para incentivar a participação dos alunos no
Enem. O estado paga a passagem e hospedagem de estudantes que moram em regiões
afastadas, por exemplo. Aqueles que vivem na capital ganham passe de ônibus
para ir e voltar da prova. Somente 6% dos colégios cearenses ficam fora da
lista do MEC.
Fonte: http://g1.globo.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário