Imagem real
Porque Dilma não vai se reeleger
No momento em que as pesquisas eleitorais
começam a detectar a queda nas intenções de voto para a reeleição da presidente
Dilma, apontando para um possível segundo turno, o Encontro Nacional do PT, na
sexta-feira passada, apontou claramente... como piorar as coisas para o
partido.
A ordem é combinar o endurecimento do discurso com a liberação de “bondades” econômicas e políticas. Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, agora é “nós contra eles”. “Nós” quem, cara pálida? Como se o Fla-Flu imbecil entre PT e PSDB já não tivesse levado o país ao enjoo e ao tédio político absolutos.
A ordem é combinar o endurecimento do discurso com a liberação de “bondades” econômicas e políticas. Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, agora é “nós contra eles”. “Nós” quem, cara pálida? Como se o Fla-Flu imbecil entre PT e PSDB já não tivesse levado o país ao enjoo e ao tédio político absolutos.
Acontece que esse não
é um problema lógico, de demonstração e convencimento. O derretimento de Dilma
tem ligação com vários problemas reais – a continuidade da corrupção, a má
gestão da Petrobrás, a piora das condições econômicas –, mas é resultado
principalmente de um descontentamento difuso, uma sensação de desgoverno (e
isso não diz respeito só à presidência).
A vanguarda disso
foram as manifestações iniciadas em junho do ano passado, que simplesmente não
definiram uma pauta clara de reinvindicações, a partir do estopim de uma luta
em São Paulo por 20 centavos nas passagens (ficou claro que não eram só os
centavos, mas ninguém conseguiu emplacar o “exatamente o quê” o movimento
queria, provavelmente por uma razão simples – não havia um “exatamente”).
Dilma, que é mulher,
deveria dominar essa sutileza: a da insatisfação yin, feminina. O Brasil é como
uma esposa aporrinhada, e a Presidente e seu governo (por ironia, uma mulher) é
como um marido arrogante-defensivo que só sabe responder reafirmando infinita e
continuamente os seus acertos – ou melhor, os da gestão passada, de Lula.
Mas não produz jamais
aquela centelha de reconquista da confiança, de que “pode dar certo de novo”. O
clima que vai prevalecendo é de que esse relacionamento tem que acabar. As
investidas da Presidente na TV, com um tom de voz e um gestual absolutamente
falsos e constrangedores (esse tipo de estupidez que só funciona na cabeça de
um marqueteiro do século passado) só agravam o clima de “a fila anda”.
O engraçado é que
Dilma já teve a faca e o queijo na mão. Durante um tempo, em que os ministros
corruptos caiam à sua volta sem que ela movesse uma palha política, o arquétipo
que Lula parece ter enxergado nela funcionou bem: o da matriarca severa,
moralizadora.
Lula foi sagaz em
fazer seguir o seu próprio arquétipo sessentista (o do operário industrial em
busca do poder social) por um arquétipo setentista, o de Dilma. A eleição de
Lula era como que se o país se reengatasse com seu destino adiado pelo golpe
militar de 1964. E Dilma era a imagem da mulher reinventada, a feminista que
deixava o lar para entrar na política, até mesmo para substituir na luta os
homens que haviam tombado.
A esperança no início
do governo era que a excessiva (cof, cof) flexibilidade moral de Lula fosse
compensada por essa matriarca brava, que ia acabar por botar ordem na casa. Num
certo sentido, o governo de Lula foi mágico: depois do autoritarismo da
ditadura, e de uma série de presidentes mais ou menos erráticos, Lula era a
volta do “pai benévolo”, reconstituindo a autoridade patriarcal num nível mais
ameno e aceitável. Talvez mesmo o despreparo intelectual do presidente
concorresse para essa percepção positiva, visto que a educação superior no
Brasil sempre esteve ligada à formação de uma elite esnobe e predadora.
Mas Dilma acabou por
representar tudo que não é “mulher”, que não é intuição. Que é “homem”, no
sentido mais burro e teimoso do termo: a submissão à lógica econômica, a crença
paranóica e defensiva na “governabilidade” levando aos acordos mais
oportunistas e distantes dos princípios. A ruptura com todas as expectativas
positivas, tanto à direita quanto à esquerda.
A direita nunca teve
a obrigação política de sustentar o governo, por mais que se fizessem (e façam)
concessões ideologicamente vergonhosas a setores como o agronegócio e a bancada
evangélica. A esquerda se sente traída, quanto mais essas concessões (sempre em
nome da governabilidade) aumentam. Os problemas que jamais cairiam na conta do
governo federal, sob Lula, caem fácil no colo de Dilma – mesmo que ela tenha
pouco ou nada a ver com isso. Porque Lula era “nós” para a maioria dos
eleitores; Dilma começa a se tornar “eles” numa escala irreversível.
Quanto às bondades,
não só elas não fazem muito sentido e não convencem, como às vezes funcionam ao
contrário. Vejamos por exemplo a presença do candidato do PT ao governo de São
Paulo, Alexandre Padilha, na Parada Gay, no domingo (ontem). Ora, é o mesmo
Padilha dirigiu o Ministério da
Saúde que vetou campanhas de prevenção a DSTs, por pressão religiosa.
E, como
explicou meu amigo Todd Tomorrow, “não fez o suficiente também pra influenciar
em momentos chave por um Plano Nacional de Educação inclusivo. Só deu na cabeça
dos LGBTs”. Mas agora o governo, além de dar dinheiro para as paradas, anunciou
as mesmas campanhas que tinha vetado. Tarde demais. Padilha é inimigo. A
direita também acha. Padilha é inimigo... de todo mundo. Parece que até Lula já
está errando na indicação de candidatos viáveis.
Para sorte do
PT, o seu inimigo “natural”, o PSDB, não parece ir muito melhor nos truques. A
última dos gênios estratégicos do partido é a tentativa de costurar uma vice
presidência para Serra. Isso atende só aos interesses intestinos do PSDB:
conciliaria, desta vez, as correntes internas, tão acostumadas a puxar o tapete
umas das outras.
Mas não parece
considerar o estupendo grau de rejeição nacional do “undead” Serra, o
morto-vivo que não permite que o filme acabe sem ressurgir mais uma vez com sua
obsessão pela Presidência (aliás Aécio que se cuide contra acidentes, na
eventualidade de ser eleito). E faz o roteiro se parecer com um misto de trama
de máfia e história de terror.
E assim,
correndo por fora, Eduardo Campos se cacifa mais e mais para lá na frente converter
a rejeição dos outros em votos para si. Sua vice indicada, Marina Silva,
cometeu um erro gravíssimo no ano passado, que impede que ela hoje esteja com
um partido registrado e candidatura própria. Bastaria, na “janela política”
entre a luta contra Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal
e as jornadas de junho, Marina ter chamado uma coletiva para se colocar em
defesa do estado laico e (um pouquinho que fosse) pelas liberdades individuais.
Sequestraria
para si o noticiário durante um bom tempo, e impulsionaria a campanha de
assinaturas pelo registro do partido. Teria sido fácil, sendo a única presença
política positiva naquele período de crise de credibilidade. Marina preferiu,
quando resolveu falar (com atraso), defender Feliciano de um certo preconceito
contra os evangélicos. O estrago estava feito: Marina era antipática, como
Dilma, à esquerda e à direita.
Mas o tranco
político parece ter feito com que Marina pensasse com mais clareza, e
resolvesse influenciar diretamente o resultado das eleições, aliando-se, de
surpresa, a Campos. Dessa vez sim Marina bombardeou o noticiário com uma
novidade. Na candidatura a vice, a rejeição à própria Marina pode ser pilotada
sob menos pressão, para uma boa transferência de votos. E vem demonstrando que
sua leitura afinal estava certa: é para Eduardo Campos que essa avenida
eleitoral começa a se abrir.
Num movimento
absolutamente inusitado, Campos decidiu na semana passada fazer a campanha sem
marqueteiro. Chega a ser espantoso, para um candidato central e num momento
promissor. Pensei até que poderia ser um factóide (notícia irrelevante, usada
para chamar a atenção), e que haveria sim um marqueteiro disfarçado. Mas até
agora nem gerou muito comentário.
Pode ser mesmo
uma escolha pela política, e contra a atitude de campanha baseada na
publicidade despolitizada que domina nossos candidatos há um bom tempo, e gera
essa sensação de falsidade e esquizofrenia. Uma escolha sintomaticamente boa, e
uma demonstração de segurança. Às custas de Dilma – que afinal fez um governo
muito menos “fêmeo” (no sentido da boa intuição) que o barbudo Lula.
Fonte: UOL.com.br
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