No início, era dormência nos dedos das mãos. Em dois dias, o microempresário Cícero Gomes da Silva Neto, de 47 anos, tinha perdido quase todos os movimentos. Ainda dirigiu 30 km entre Jardim de Piranhas, onde vive, e um hospital de Caicó, na região do Seridó, a 275 km de Natal. Foi a enfermeira plantonista que fez o diagnóstico. “É Guillain-Barré. Já vi um caso desses”, disse para a mulher de Silva Neto, Idaliana.
Uma ambulância o levou
ao Hospital Estadual Walfredo Gurgel, principal emergência da capital potiguar.
O microempresário ainda falava com dificuldade ao chegar. O médico avisou a
família que a situação pioraria: os pulmões foram afetados pela doença
paralisante.
Há 20 dias, Silva Neto
está na UTI do hospital. Consegue mover os ombros – ganho obtido com
fisioterapia. Respira por aparelhos Está completamente lúcido, mas sem nenhum
domínio sobre o corpo Faz movimentos desordenados para responder perguntas:
sim, ainda sente muita dor nos tornozelos; não, o equipamento que o auxilia a
respirar não causa desconforto. Balança a cabeça em diferentes direções até a
fisioterapeuta intensivista perceber que quer as luzes apagadas sobre o leito,
pois a paralisia afetou os nervos ópticos. Não fecha os olhos. Nem ao dormir.
A doença apareceu após
os sintomas clássicos de zika - marcas vermelhas no corpo, dores de cabeça,
febre. “Ele pensou que fosse dengue. A família chegou assustada e eu tive de
avisar: vai piorar. Quando vocês voltarem amanhã, ele estará entubado. Vai
entender o que vocês falarem, mas não vai responder. É assim: piora antes de
passar”, contou o coordenador da UTI, Alfredo Jardim.
O drama de Silva Neto se
mistura ao das emergências públicas superlotadas. No leito quase em frente, uma
mulher se agita e o lençol cai, deixando os seios à mostra. Os dois têm sorte
de ocupar vaga de UTI. Todos os dias chegam 20 pedidos por um leito de terapia
intensiva. O corredor do Walfredo Gurgel está abarrotado de pacientes em macas
e cadeiras, esperando internação. O mau cheiro toma conta de todo o ambiente.
Na quarta-feira, um
neurologista não pôde fazer a punção de líquor em uma paciente com suspeita de
Guillain-Barré porque a mulher estava em uma cadeira. O exame, que consiste em
retirar o líquido que percorre a medula espinhal, só poderia ser feito se ela
estivesse deitada. O médico chamou o professor Mário Emílio Dourado, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para avaliar a paciente.
Não a encontraram mais; estava perdida em meio a dezenas de doentes espalhados
pelos corredores. Só no dia seguinte Dourado soube que a moça ocupava o leito
251 da enfermaria.
EVOLUÇÃO
A Guillain-Barré é
desencadeada pela resposta do organismo a uma infecção. Os anticorpos confundem
o micróbio com as células do sistema nervoso e as atacam. Na forma clássica, a
pessoa perde a sensibilidade de pernas e braços e tem paralisia facial. A
insuficiência respiratória ataca 30% dos doentes. Mas há variantes da síndrome:
pacientes com fraquezas só nas pernas; outros andam como se estivessem bêbados
(desequilíbrio de marcha), com paralisia no nervo ótico e perda dos reflexos;
poucos sofrem de sonolência excessiva. Alguns podem ter formas sobrepostas da
síndrome. A maioria dos pacientes recupera as funções; 20% ficam com
sequelas.
Fonte: http://novojornal.jor.br/
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