Estudo da Universidade de
Brasília mostra crescimento da bancada dos parentes na Casa. Todos os deputados
do Rio Grande do Norte, por exemplo, são de família de políticos, informa
reportagem da Agência Pública
Conhecida por debates
acalorados quando se trata de discussões sobre a “família tradicional”, a
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara foi cenário
de um debate inusitado sobre outros tipos de famílias – as de políticos – no
fim de outubro, durante a votação do Projeto de Lei nº 6.217, de 2013. Proposta
pelo deputado Esperidião Amin (PP-SC), a iniciativa pretende chamar a BR-101 em
Santa Catarina de Rodovia Doutora Zilda Arns, excluindo naquele trecho a
homenagem ao ex-governador Mário Covas. O nome do paulista batiza todos os
quase 5 mil quilômetros da estrada desde setembro de 2001, seis meses após o
falecimento do político.
O clima ficou
tenso na CCJ. Ninguém diminuía a importância de Zilda Arns, brasileira indicada
ao Prêmio Nobel da Paz em 1999, mas muitos se mostravam incomodados com a
retirada do nome de um político de uma obra. Durante as discussões, houve
exemplos – críticos ou elogiosos – de pontes no Piauí e em Santa Catarina com
dois nomes: cada sentido da via para um cacique local. “Há certamente novas
rodovias, novas obras que serão construídas em Santa Catarina e a que, de forma
consensual, o nome da Zilda Arns poderia ser definido. Se começarmos a abrir
aqui um precedente de ratear uma rodovia, uma estrada, para homenagear vários
nomes, vai se criar, além de uma atitude desagradável, até um conflito para
quem vai pegar o endereço”, protestou o deputado Mainha (SD-PI).
José de
Andrade Maia Filho, o Mainha, é filho de José de Andrade Maia, que foi prefeito
de municípios do Piauí e suplente de senador. Em Itainópolis, a herança paterna
na prefeitura garantiu a Mainha o início da carreira política, em 1996, quando
também se elegeu prefeito do município, aos 22 anos. Mas, justiça seja feita,
ele não foi o único membro da CCJ a protestar, o que levou ao adiamento da
apreciação do projeto. Deputado mais votado na Paraíba em 2014, aos 25 anos,
Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), filho do ex-governador e hoje senador Cássio Cunha
Lima (PSDB-PB), foi um dos que também se posicionaram contra a medida.
A discussão
ilustra um mecanismo muito antigo da política nacional e especialmente
significativo na atual legislatura na Câmara. De teor fortemente conservador,
ela é também a que possui maior porcentual de deputados com familiares
políticos desde as eleições de 2002. Um estudoda
Universidade de Brasília (UnB) publicado no segundo semestre de 2015 analisou
os 983 deputados federais eleitos entre 2002 e 2010 para concluir que, no
período, houve um crescimento de 10,7 pontos percentuais no número de deputados
herdeiros de famílias de políticos, atingindo 46,6% em 2010 – número próximo
aos 44% encontrados pela Transparência Brasil no mesmo ano.
Logo após a
última disputa eleitoral, a ONG divulgou outro levantamento que concluiu que 49% dos deputados
federais eleitos em 2014 tinham pais, avôs, mães, primos, irmãos ou cônjuges
com atuação política – o maior índice das quatro últimas eleições.
Atualmente, o
estado que ilustra melhor o poder das dinastias nas eleições é o Rio Grande do
Norte, onde 100% dos oito deputados eleitos se encaixam no perfil das
pesquisas. A lista contempla Fábio Faria (PSD), filho do atual governador do
estado, Robinson Faria (PSD); Felipe Maia (DEM), filho do senador José Agripino
(DEM); Antônio Jácome (PMN), pai de Jacó Jácome (PMN), eleito deputado estadual
em 2014 aos 22 anos; Rogério Marinho (PSDB), neto do ex-deputado federal Djalma
Marinho (UDN, Arena, PDS); Zenaide Maia (PR), esposa do prefeito de São Gonçalo
do Amarante, Jaime Calado (PR); Walter Alves (PMDB), de um dos clãs mais
tradicionais do estado, com ex-ministros, ex-governador e o ex-presidente da
Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves (PMDB); Rafael Motta (PSB), filho
do deputado estadual Ricardo Motta (Pros); e Betinho Segundo (PP), da família
Rosado, que domina a segunda maior cidade do estado, Mossoró, é neto de
governador e bisneto de intendente – nome que se dava aos prefeitos até 1930.
E os elos familiares
com o poder podem ser, em alguns casos, ainda mais antigos. A descendência de
José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), por exemplo, se sucede em postos
nas estruturas de poder desde o período colonial e conta, até hoje, com um
representante na Câmara, o deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), no
décimo mandato consecutivo.
Coordenador do
levantamento que analisou as três primeiras eleições deste século, o professor
de ciência política da UnB Luis Felipe Miguel observa que em diversas áreas é
comum que os filhos sigam a carreira dos pais. O problema no caso da política é
que ela não deveria ser considerada uma profissão. “Na política, isso é mais
sério, pois ela deveria ser uma atividade aberta a todos os cidadãos”, diz.
Diferentemente de outras áreas, continua o professor, nem sempre há isso de os
filhos se aproximarem pela familiaridade com as profissões dos pais. “Há, sim,
estratégias das próprias famílias para manter os espaços de poder, com filhos
ou parentes que são muitas vezes empurrados para ocupar essas posições, quem
sabe até contra as próprias inclinações. Isso é sim ruim pra democracia.”
Para Miguel,
as estratégias de manutenção dos clãs no poder acabam por torná-los uma espécie
de empreendimento – uma vez que a política também é vista em muitos casos como
forma de enriquecimento pessoal –, com projetos bem definidos para a ocupação
até mesmo de espaços que credenciam para a disputa eleitoral. Um exemplo é a
carreira de Paulo Bornhausen (PSB-SC), filho do ex-governador e cacique do DEM
catarinense Jorge Bornhausen. “O Paulo, que seria o herdeiro, foi deputado
estadual, federal, candidato a senador [derrotado em 2014], mas antes de ser
lançado candidato ele ocupou durante alguns anos um programa de rádio de apelo
popular numa rádio de bastante audiência de Florianópolis”, explica Miguel.
Para o
professor da UnB, como o processo eleitoral brasileiro é marcado pela
desinformação e despolitização, pontos como o discurso e as propostas dos
candidatos e mesmo a reputação ou a probidade do familiar que pede os votos não
fazem diferença. “O que as famílias políticas controlam e legam na verdade são
os contatos com financiadores, com controladores de currais eleitorais, com uma
teia de apoiadores que disputam outros cargos, esse savoir-faire e esses recursos que dão aos herdeiros
uma série de vantagens nas disputas eleitorais”, explica Miguel.
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