SOS CANGUARETAMA

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quarta-feira, 7 de maio de 2014

BOM DEMAIS PRA SER VERDADE

Imagem real
Porque Dilma não vai se reeleger
No momento em que as pesquisas eleitorais começam a detectar a queda nas intenções de voto para a reeleição da presidente Dilma, apontando para um possível segundo turno, o Encontro Nacional do PT, na sexta-feira passada, apontou claramente... como piorar as coisas para o partido.
A ordem é combinar o endurecimento do discurso com a liberação de “bondades” econômicas e políticas. Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, agora é “nós contra eles”. “Nós” quem, cara pálida? Como se o Fla-Flu imbecil entre PT e PSDB já não tivesse levado o país ao enjoo e ao tédio político absolutos.
Acontece que esse não é um problema lógico, de demonstração e convencimento. O derretimento de Dilma tem ligação com vários problemas reais – a continuidade da corrupção, a má gestão da Petrobrás, a piora das condições econômicas –, mas é resultado principalmente de um descontentamento difuso, uma sensação de desgoverno (e isso não diz respeito só à presidência).
A vanguarda disso foram as manifestações iniciadas em junho do ano passado, que simplesmente não definiram uma pauta clara de reinvindicações, a partir do estopim de uma luta em São Paulo por 20 centavos nas passagens (ficou claro que não eram só os centavos, mas ninguém conseguiu emplacar o “exatamente o quê” o movimento queria, provavelmente por uma razão simples – não havia um “exatamente”).
Dilma, que é mulher, deveria dominar essa sutileza: a da insatisfação yin, feminina. O Brasil é como uma esposa aporrinhada, e a Presidente e seu governo (por ironia, uma mulher) é como um marido arrogante-defensivo que só sabe responder reafirmando infinita e continuamente os seus acertos – ou melhor, os da gestão passada, de Lula.
Mas não produz jamais aquela centelha de reconquista da confiança, de que “pode dar certo de novo”. O clima que vai prevalecendo é de que esse relacionamento tem que acabar. As investidas da Presidente na TV, com um tom de voz e um gestual absolutamente falsos e constrangedores (esse tipo de estupidez que só funciona na cabeça de um marqueteiro do século passado) só agravam o clima de “a fila anda”.
O engraçado é que Dilma já teve a faca e o queijo na mão. Durante um tempo, em que os ministros corruptos caiam à sua volta sem que ela movesse uma palha política, o arquétipo que Lula parece ter enxergado nela funcionou bem: o da matriarca severa, moralizadora.
Lula foi sagaz em fazer seguir o seu próprio arquétipo sessentista (o do operário industrial em busca do poder social) por um arquétipo setentista, o de Dilma. A eleição de Lula era como que se o país se reengatasse com seu destino adiado pelo golpe militar de 1964. E Dilma era a imagem da mulher reinventada, a feminista que deixava o lar para entrar na política, até mesmo para substituir na luta os homens que haviam tombado.
A esperança no início do governo era que a excessiva (cof, cof) flexibilidade moral de Lula fosse compensada por essa matriarca brava, que ia acabar por botar ordem na casa. Num certo sentido, o governo de Lula foi mágico: depois do autoritarismo da ditadura, e de uma série de presidentes mais ou menos erráticos, Lula era a volta do “pai benévolo”, reconstituindo a autoridade patriarcal num nível mais ameno e aceitável. Talvez mesmo o despreparo intelectual do presidente concorresse para essa percepção positiva, visto que a educação superior no Brasil sempre esteve ligada à formação de uma elite esnobe e predadora.
Mas Dilma acabou por representar tudo que não é “mulher”, que não é intuição. Que é “homem”, no sentido mais burro e teimoso do termo: a submissão à lógica econômica, a crença paranóica e defensiva na “governabilidade” levando aos acordos mais oportunistas e distantes dos princípios. A ruptura com todas as expectativas positivas, tanto à direita quanto à esquerda.
A direita nunca teve a obrigação política de sustentar o governo, por mais que se fizessem (e façam) concessões ideologicamente vergonhosas a setores como o agronegócio e a bancada evangélica. A esquerda se sente traída, quanto mais essas concessões (sempre em nome da governabilidade) aumentam. Os problemas que jamais cairiam na conta do governo federal, sob Lula, caem fácil no colo de Dilma – mesmo que ela tenha pouco ou nada a ver com isso. Porque Lula era “nós” para a maioria dos eleitores; Dilma começa a se tornar “eles” numa escala irreversível.
Quanto às bondades, não só elas não fazem muito sentido e não convencem, como às vezes funcionam ao contrário. Vejamos por exemplo a presença do candidato do PT ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha, na Parada Gay, no domingo (ontem). Ora, é o mesmo Padilha dirigiu o Ministério da Saúde que vetou campanhas de prevenção a DSTs, por pressão religiosa.
 E, como explicou meu amigo Todd Tomorrow, “não fez o suficiente também pra influenciar em momentos chave por um Plano Nacional de Educação inclusivo. Só deu na cabeça dos LGBTs”. Mas agora o governo, além de dar dinheiro para as paradas, anunciou as mesmas campanhas que tinha vetado. Tarde demais. Padilha é inimigo. A direita também acha. Padilha é inimigo... de todo mundo. Parece que até Lula já está errando na indicação de candidatos viáveis.
 Para sorte do PT, o seu inimigo “natural”, o PSDB, não parece ir muito melhor nos truques. A última dos gênios estratégicos do partido é a tentativa de costurar uma vice presidência para Serra. Isso atende só aos interesses intestinos do PSDB: conciliaria, desta vez, as correntes internas, tão acostumadas a puxar o tapete umas das outras.
 Mas não parece considerar o estupendo grau de rejeição nacional do “undead” Serra, o morto-vivo que não permite que o filme acabe sem ressurgir mais uma vez com sua obsessão pela Presidência (aliás Aécio que se cuide contra acidentes, na eventualidade de ser eleito). E faz o roteiro se parecer com um misto de trama de máfia e história de terror.
 E assim, correndo por fora, Eduardo Campos se cacifa mais e mais para lá na frente converter a rejeição dos outros em votos para si. Sua vice indicada, Marina Silva, cometeu um erro gravíssimo no ano passado, que impede que ela hoje esteja com um partido registrado e candidatura própria. Bastaria, na “janela política” entre a luta contra Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e as jornadas de junho, Marina ter chamado uma coletiva para se colocar em defesa do estado laico e (um pouquinho que fosse) pelas liberdades individuais.
 Sequestraria para si o noticiário durante um bom tempo, e impulsionaria a campanha de assinaturas pelo registro do partido. Teria sido fácil, sendo a única presença política positiva naquele período de crise de credibilidade. Marina preferiu, quando resolveu falar (com atraso), defender Feliciano de um certo preconceito contra os evangélicos. O estrago estava feito: Marina era antipática, como Dilma, à esquerda e à direita.
 Mas o tranco político parece ter feito com que Marina pensasse com mais clareza, e resolvesse influenciar diretamente o resultado das eleições, aliando-se, de surpresa, a Campos. Dessa vez sim Marina bombardeou o noticiário com uma novidade. Na candidatura a vice, a rejeição à própria Marina pode ser pilotada sob menos pressão, para uma boa transferência de votos. E vem demonstrando que sua leitura afinal estava certa: é para Eduardo Campos que essa avenida eleitoral começa a se abrir.
 Num movimento absolutamente inusitado, Campos decidiu na semana passada fazer a campanha sem marqueteiro. Chega a ser espantoso, para um candidato central e num momento promissor. Pensei até que poderia ser um factóide (notícia irrelevante, usada para chamar a atenção), e que haveria sim um marqueteiro disfarçado. Mas até agora nem gerou muito comentário.
 Pode ser mesmo uma escolha pela política, e contra a atitude de campanha baseada na publicidade despolitizada que domina nossos candidatos há um bom tempo, e gera essa sensação de falsidade e esquizofrenia. Uma escolha sintomaticamente boa, e uma demonstração de segurança. Às custas de Dilma – que afinal fez um governo muito menos “fêmeo” (no sentido da boa intuição) que o barbudo Lula.
Fonte: UOL.com.br

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